MUCA Envia Propostas para Equipe de Transição do Governo Lula

No dia 10 de dezembro de 2022, dia dos Direitos Humanos, encaminhamos para a Equipe de Transição do Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva nossas principais sugestões de políticas públicas para as pessoas que trabalham nas ruas das cidades, no comércio ambulante, na prestação de serviços ou em outras atividades de trabalho precarizadas, percebemos que a nossa experiência na luta em defesa dos camelôs nos permite fortalecer essa interlocução muito necessária com o novo governo.

Enviamos para os grupos temáticos de trabalho, de cidades e de previdência. Desejamos que esse diálogo prospere, que nossas reivindicações sejam acolhidas e que possamos conquistar o respeito, melhorando a qualidade de vida para as pessoas que vivem do trabalho informal. A participação no debate e a divulgação da nossa luta é essencial para obtermos a vitória.

À Coordenação da Equipe de Transição de Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva  

Senhor Aloízio Mercadante,

                                                      Rio de Janeiro 10 de dezembro de 2022

Os camelôs e o trabalho informal nas cidades do Brasil

O processo de restruturação produtiva encabeçado pelas agendas neoliberais tem impulsionado as trabalhadoras e os trabalhadores para o mercado informal de trabalho, no Brasil e no mundo. E essa sequer é uma questão completamente nova. Já no final da década de 90, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional passaram a recomendar a expansão do setor informal diante da crise do desemprego generalizado, complementar às políticas de proteção social para os mais pobres. E de lá para cá, a informalidade de fato se expandiu por toda parte. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2018, apontou em um trabalho inédito que o emprego informal já representava 61% de toda a força de trabalho empregada no mundo[1].

No Brasil, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do início da década de 90 até meados dos anos 2000, a taxa de ocupação na informalidade sempre esteve próxima a uma média de 50%. Apesar de ter tido uma breve redução nos primeiros anos dos governos do Partido dos Trabalhadores, ela retornou a subir, em especial com a nova forma jurídica do MEI (microempreendedores individuais). No ano de 2018, já após o golpe jurídico-parlamentar de Dilma Rousseff, a PNADC do IBGE, apontou que no ano anterior o trabalho sem carteira assinada superou o emprego formal, podendo considerar esse um pico da informalidade[2]. Já em 2019, apesar da leve redução da taxa de informalidade nacional, a mesma bateu recorde em 19 estados do país e no distrito federal[3]. Entre os anos de 2020 e 2021, segundo a divulgação da PNAD do IBGE, os trabalhadores informais somaram um contingente acima de 35 milhões de cidadãos precarizados (incluindo trabalhadores autônomos, trabalhadores do setor privado sem carteira assinada e trabalhadores não remunerados)[4].

Assim, cada vez mais, se torna evidente que a informalidade é o novo padrão de trabalho do mundo contemporâneo, e um importante setor da economia brasileira. No entanto, raras são as vezes que os trabalhadores informais são convidados a participar dos debates políticos e econômicos em nosso país.

O Movimento Unido dos Camelôs – MUCA, com a experiência de 19 anos de luta pelo direito ao trabalho nas ruas das cidades, principalmente no Rio de Janeiro, tem formulado propostas para políticas públicas que atendam à dignidade humana de quem está vivenciando o desemprego e vai às ruas das cidades para vender mercadorias e serviços com vistas a manter seu sustento pessoal e da sua família. A histórica profissão de ir às ruas para vender mercadorias e exercer outros trabalhos informais enfrenta, por sua vez, muitas situações de discriminação e violência.

O MUCA, embora organize a categoria dos trabalhadores ambulantes, sempre se manteve articulado com outras categorias de trabalhadores informais, como por exemplo as diaristas e os catadores, considerando a necessária interlocução entre as demandas daqueles que vivem na informalidade. Por isso mesmo, nos últimos anos, tem acompanhado os fóruns de debates sobre as novas formas de precarização do trabalho como os serviços de entregadores e motoristas por plataformas na internet, participando da fundação do Movimento Trabalhadores Sem Direitos.

Para além do trabalho, o MUCA acredita que a informalidade é também uma questão de condição de vida, de modo que muitos trabalhadores vivem em condição informal inclusive em relação a outros direitos sociais, a exemplo dos muitos cidadãos que vivem hoje em ocupações urbanas na luta pelo direito à moradia digna. Nesse sentido, o MUCA tem participado de iniciativas que discutem e disputam a política das cidades de modo mais amplo, como o Grito dos Excluídos, o Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas na época dos Megaeventos, e o Fórum sobre Reforma Urbana na luta pelo direito à cidade que inclui propostas de políticas públicas de moradia popular, educação, saúde pública, mobilidade, lazer e outras.

Hoje, entendemos que é fundamental organizar Centros de Referência para os trabalhadores informais que possam orientar sobre os serviços públicos de assistência social, saúde e educação, sobre o cadastramento nos programas de Bolsa Família, sobre os locais e programas de vacinação do SUS, sobre programas de educação e capacitação profissional, sobre creches próximas aos seus locais de trabalho ou residência, sobre o acesso à justiça quando seus direitos são violados, sobre as políticas de incentivo do governo quando essas lhe auxiliem, sobre as possibilidades de regularização previdenciária. No caso dos trabalhadores ambulantes, é fundamental que tais Centros de Referência realizem a orientação e o apoio para os trâmites das autorizações municipais para o trabalho nas ruas, bem como a respeito das taxas, multas e dos cancelamentos dessas, de acordo com a normativa do seu próprio município.

Ao demandar os Centros de Referência, também defendemos uma cidadania ativa, de modo que esses espaços sejam constituídos e gestionados pelos próprios movimentos sociais e organizações dos trabalhadores informais, ou seja, verdadeiros instrumentos democráticos. As e os trabalhadores informais sabem do que precisam, vivem na pele as mazelas e dificuldades de suas condições e devem ter garantida a possibilidade de participar ativamente da criação e da realização das políticas públicas que lhes são destinadas. Assim, é essencial que existam incentivos para a criação desses Centros de Referência, inclusive garantindo o espaço físico a partir da destinação de imóveis públicos em desuso e mesmo de desapropriação de imóveis privados abandonados, isto é, que não cumpram a função social da propriedade privada prevista na Constituição Federal.

Em âmbito das esferas municipais, O MUCA tem reivindicado que o poder público possa oferecer:

  • Espaços para depósitos públicos e/ou autogestionados de equipamentos e mercadorias para os camelôs;
  • Aumento de autorizações de trabalho para o uso de áreas públicas, atendendo a demanda concreta de trabalhadores ambulantes;
  • Inclusão das organizações das pessoas que exercem o trabalho de rua na discussão dos Planos Diretores das Cidades e outros planos que impactem nas definições das áreas que possam acomodar esses trabalhadores;
  • Que a camelotagem deixe de ser tratada como mera questão de ordem pública, ou seja de ostensiva fiscalização e repressão. Que seja ofertado tratamento que respeite a dignidade dos trabalhadores ambulantes, com instrumentos adequados de proteção, inclusive contra o abuso de poder por parte dos agentes estatais.
  • A retirada das agências das Guardas Municipais da fiscalização do comércio ambulantes, em razão de evidente desvio de função constitucional (previsto no art. 144, §8º da CRFB/88). Nesse sentido, apesar da previsão da Lei Federal n.º 13.022/2014, somos contra o armamento da Guarda Municipal, medida que deixa os camelôs ainda mais ameaçados e vulnerabilizados;

Embora, num primeiro olhar, essas questões devam ser atendidas pelos governos municipais, entendemos que o governo federal tem papel fundamental na formulação e incentivo desses projetos. Há, por exemplo, a possibilidade de inserir novos dispositivos no Estatuto das Cidades, para garantir expressamente a demarcação de áreas públicas para o exercício do trabalho de rua (incluindo não só os camelôs, mas também artistas de rua e outros). Além disso, é imperativo que o próprio Governo Federal fiscalize a aplicação regular da Lei Federal n.º 10.257/01 e seus instrumentos de participação popular.

Na esfera federal, é possível a proposição de uma Lei Geral que regulamente os direitos das pessoas que exercem o trabalho informal, ou mesmo do comércio ambulante, segmento importante na economia do país, criando parâmetros para as Leis Municipais. Nossa reivindicação é que nesse governo ocorra uma Política Pública Nacional para as pessoas que vivem do comércio ambulante e do trabalho informal.

A respeito do armamento das Guardas Municipais, que foi turbinado no governo pró-armas de Bolsonaro, é possível fazer a revisão da Lei Federal n.° 13.022/2014, retirando a previsão de uso de armas ou criando limites mais rigorosos, inclusive a vedação de guarda armada na fiscalização do comércio ambulante e de outros trabalhos nas ruas das cidades.

Outro ponto importante, diz respeito a retomar as discussões acerca da garantia dos direitos previdenciários dos trabalhadores informais, inclusive de como hoje isso está estabelecido dentro da forma do MEI. Com o aumento do trabalho precário ocorrerá no futuro um aumento de idosos sem direito a aposentadoria no caso da falta de providências que devemos planejar. O debate da informalidade deve ser prioritário ao se repensar o Sistema de Seguridade Nacional. Não há justiça social quando nos deparamos com idosos que trabalharam por anos a fio nas ruas das cidades em completa miséria pela falta de políticas públicas que garantam um acesso a previdência social, não só como um benefício genérico de amparo a pobreza, mas como um direito próprio decorrente do exercício do trabalho.

Agradecemos a oportunidade de manifestarmos nosso ponto de vista, desejamos bons resultados a administração que ora se inicia e abre a interlocução com os movimentos sociais. Estamos dispostos a dialogar e contribuir para uma administração democrática que conceda oportunidade de desenvolvimento para as pessoas que vivem do trabalho informal.

Atenciosamente,

Maria de Lourdes do Carmo

Maria dos Camelôs

Coordenadora do MUCA – Movimento Unido dos Camelôs


[1] ILO. Women and men in the informal economy: a statistical picture (third edition) / International Labour Office – Geneva: ILO, 2018. Disponível em https://www.ilo.org/global/publications/books/WCMS_626831/lang–en/index.htm

[2] CURY, Ana; BRITO, Carlos; GAZZONI, Marina; e CAVALLINI, Marta. Trabalho sem carteira assinada e ‘por conta própria’ supera pela 1ª vez emprego formal em 2017, aponta IBGE. G1, Economia, Brasil, 31 de janeiro de 2018. Disponível em https://g1.globo.com/economia/noticia/trabalho-sem-carteira-assinada-e-por-conta-propria-supera-pela-1-vez-emprego-formal-em-2017-aponta-ibge.ghtml

[3] AMORIM, Daniela; RIBEIRO, Flávia. Informalidade cresce e é recorde em 20 estados. Estadão, Economia, Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 2020. Disponível emhttps://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2020/02/15/informalidade-cresce-e-e-recorde-em-20-estados.htm#:~:text=No%20ano%20de%202019%2C%20a,pessoas%20entre%20os%20trabalhadores%20ocupados.

[4] Houve também um aumento expressivo no número de desalentados ou seja, de pessoas que simplesmente pararam de trabalhar e mesmo de procurar trabalho, sendo necessário considerar como variável a instauração da pandemia ocasionada pelo novo coronavirus Covid-19.

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